Ricardo Noblat
Que país é este capaz de reagir com naturalidade à notícia de que Lula e o governo negociam com Eduardo Cunha o sepultamento de pedidos de impeachment contra Dilma em troca da preservação do mandato dele, acusado no Conselho de Ética da Câmara de quebra de decoro parlamentar?
Lula desembarcou em Brasília, anteontem, como parte da operação de resgate duplo de Dilma e de Eduardo. No dia seguinte, o Procurador Geral da República denunciou pela segunda vez Eduardo ao Supremo Tribunal Federal pelo crime de ter escondido na Suíça dinheiro que recebeu como propina por negócios feitos com a Petrobras.
Pensa que Lula se chocou com isso? Que Dilma se chocou com isso? Que alguém dentro do governo ou dos partidos políticos se chocou com isso?
O cadastro de Eduardo é antigo. O modo dele de fazer política é antigo e, como observou outro dia o vice-presidente Michel Temer, peculiar. Logo… Logo o que Eduardo faz ou deixa de fazer não é novidade. É mais do que previsível.
Em 2003, quando o PT subiu com Lula pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, poderia soar como novidade a disposição de ambos de se render a qualquer tipo de tentação para não abrir mão do poder.
Hoje, não mais. Não mais depois que uma sofisticada organização criminosa inventou o mensalão que desembocou no petrolão.
É por isso que nada mais surpreende um país anestesiado. Nem mesmo o leilão do qual participam o governo e a oposição para ver quem paga mais pela companhia de Eduardo.
Não é ele quem está em jogo, mas o poder. Se Eduardo arquivasse na próxima semana pedidos de impeachment que ainda não examinou, acabaria a história de derrubar Dilma.
O governo teria vencido.
Se admitisse a tramitação na Câmara de qualquer pedido, o processo do impeachment estaria apenas começando. Brilhariam os olhos da oposição, particularmente os de Aécio Neves.
Já, já ou mais adiante, o provável é que o governo vença o leilão. Ele tem muito mais a oferecer a Eduardo. Nada que seja confessável.